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Dialeto caipira

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Caipira
Falado(a) em:  São Paulo
 Minas Gerais
 Mato Grosso do Sul
 Goiás
 Paraná
Total de falantes: sem números exatos
Posição: Não se encontra entre os 100 primeiros
Família: Indo-europeia
 Itálica
  Românica
   Ítalo-ocidental
    Ocidental
     Galo-ibérica
      Ibero-românica
       Galaico-português
        Português
         Caipira
Escrita: Alfabeto latino
Estatuto oficial
Língua oficial de: sem reconhecimento oficial
Regulado por: sem regulamentação oficial
Códigos de língua
ISO 639-1: --
ISO 639-2: ---

O caipira (pronunciado: /kajˈpi.ɹɐ/), é uma variante dialetal da língua portuguesa de origem paulista,[1][2] falada principalmente nos interiores de São Paulo e Paraná,[3][4][5] no leste de Mato Grosso do Sul, Sul de Goiás, Triângulo,[6] Sul de Minas Gerais e em partes de Mato Grosso,[7] uma área conhecida como Paulistânia. O caipira é divido em cinco variações subdialetais e já serviu como base para a formação de novas línguas, como o crioulo ítalo-paulista e o anticrioulo cupópia.

O dialeto caipira foi possivelmente influenciado pelo tupi antigo, bem como por um de seus desenvolvimentos históricos, a língua geral paulista. Sendo a língua habitual dos bandeirantes que ocuparam as regiões onde hoje se ouve tal variante dialetal, a língua tupi antiga não apresentava alguns sons usuais do português, como os representados pelas letras l e r (de "rato", por exemplo) e pelo dígrafo lh. Com efeito, o dialeto caipira se caracteriza pela substituição, em fim de sílaba, do fonema lateral [l] pelo fonema /r/, flap ("almoço" vira armoço, "coronel", coroner), pela substituição do fonema [ʎ] por um i semivocálico, como em "abelha" e "trabalho", que se leem abeia e trabaio, e pela queda da consoante /r/ dos verbos no infinitivo (andá, corrê, dormi). Nos três casos ocorreu a adaptação da fonética portuguesa à tupi. Outro ponto em comum entre a língua tupi e o dialeto caipira é a ausência de diferenciação entre singular e plural: kunhã, em tupi antigo, pode significar tanto "mulher" quanto "mulheres", e o dialeto caipira usa tanto "a casa" quanto "as casa".[8]

Português arcaico

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O vocabulário da língua caipira é, naturalmente, bastante restrito. Ele é formado, em parte, de elementos oriundos do português usado pelo primitivo colonizador, muitos dos quais se arcaizaram com a criação de novos acordos ortográficos; de termos provenientes das línguas indígenas; de vocábulos importados de outras línguas, por via indireta e de vocábulos formados na própria cultura caipira. Em verdade, estes não se limitam ao léxico, todo o dialeto está impregnado deles, desde a fonética até a sintaxe. O dialeto representa um estado atrasado do português, e que sobre esse fundo se vieram sucessivamente entretecendo os produtos de uma evolução divergente, o seu acurado exame pode auxiliar a explicação de certos fatos ainda mal elucidados da fonologia, da morfologia e da sintaxe histórica da língua. Por exemplo: a pronunciação clara do sons das letras “e” e “o” átonos finais comprova o fato de que o ensurdecimento de vogais só começou em época relativamente próxima, pois de outro modo não se compreenderia porque o caipira pronuncia lado, verdade, quando no português, falado em Portugal, África e Ásia ou na maioria das regiões do Brasil (exceto no Sul) comumente se pronuncia ladu, verdad- ou verdadi.

Releva notar que o povo caipira desconhece a pronúncia do "si", inventada por gramáticos e popularizada entre a gente culta, no Brasil, por via literária. Em relação a este pronome pessoal, o caipira diz sempre, e bem claramente, "se", literalmente como é escrito, sem fazer uso da iotização, que neste caso é comum em todo o Brasil.[9]

São em grande número, relativamente à extensão do vocabulário dialetal, as formas esquecidas ou desusadas na língua. Lendo-se certos documentos vernáculos dos fins do século XV e de princípios e meados do século XVI, é impossível não dar-se conta que há muita semelhança da respectiva linguagem arcaica portuguesa com a dos caipiras e com a linguagem tradicional dos paulistas, que não é senão o mesmo dialeto um pouco mais polido.

Na carta de Pero Vaz de Caminha abundam formas vocabulares e modismos envelhecidos na língua, mas ainda bem vivos no falar caipira: inorância, -parecer (aparecer) mêa (adj. meia), u’a (uma), trosquia, imos (vamos), despois, reinar (brincar), preposito, luitar, desposto, alevantar.[10]

Características

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Desde a obra de Amaral, a fonética caipira é marcada por cinco principais traços distintivos:[11]

  1. O "R" caipira: O fonema /r/, em fim de sílaba ou em posição intervocálica, assume as características formas aproximante alveolar [ɹ], retroflexo [ɻ].[12][13][14]
  2. A rotacização do "L": a permutação, em fim de sílaba, da aproximante lateral [l] pelo fonema /r/ (mil > mir, enxoval > enxovar, claro > craro, etc.). Esse traço não é exclusivo do dialeto caipira, mas se faz presente de forma gradual ao longo de todo o país, sendo menos comum na linguagem culta. Trata-se de um fenômeno que já vinha ocorrendo na passagem do latim para o português (ex: clavu > cravo).[15]
  3. A iotização do "LH": [ʎ] (<Falhou> [faˈjo]; <Mulher> [muˈjɛ]; <Alho> [ˈaju]; <Velho> [vɛˈju]; <Olhei> [oˈjej], etc.). Da mesma forma que a rotacização do L, esse traço existe ao longo do país todo, sendo mais uma marca social do que regional.[16]
  4. A apócope da consoante /r/ na terminação dos verbos no infinitivo[17] (<Brincar> [bɾĩˈka]; <Olhar> [oˈja]; <Comer> [koˈme]; <Chorar>: [ʃoˈɾa]; etc.).
  5. A transformação de proparoxítonas em paroxítonas: A apócope ou síncope em palavras proparoxítonas e a aférese em muitas palavras.

Morfossintáticas

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Algumas características morfossintáticas difundidas por todo o falar brasileiro são, popularmente, vistas como características do dialeto caipira, como:

  • a concordância de número marcada apenas no artigo[18] (<as mulheres> [az muˈjɛ], <os homens> [u ˈzomi], <as coisas> [as ˈkojzɐ], <os primos> [us ˈpɾimu] etc.)
  • a nasalização do /d/ na terminação do gerúndio (nas outras terminações em ←ndo> não sofrem esse fenômeno):[19] (<Falando> [faˈlɐ̃nu]; <Quando> [ˈkwɐ̃du]; <Dormindo> [duɹˈmĩnu]; <Lindo> [ˈlĩdu]; <Correndo> [koˈhẽnu]; <Segundo> [siˈɡũdu]; <Pondo> [ˈpõnu]; <Mundo> [ˈmũdu])

O verbo ter usa-se impessoalmente em vez de haver, quando o complemento não encerra noção de tempo: Tinha munta gente na eigrejaTem home que num gosta de caçadaNaquêle barranco tem pedra de fogo. Quando o complemento é tempo, ano, semana, emprega-se às vezes haver, porém, mais geralmente, fazer: Já fáiz mai de ano que eu num vos vejoEstive na sua casa fáiz quinze dia. Haver é limitado a certas e raras construções: Há que tempo!Há quanto tempo foi isso?Num hai quem num saiba. Nessas construções, o verbo como que se anquilosou, perdendo sua vitalidade. Restringimo-nos, entretanto, neste como em outros pontos, a indicar apenas o fato, sem o precisar completamente, por falta de suficientes elementos de observação. Vem a propósito referir que a forma hai, contração e ditongação de há aí (por "há i", que se encontra em muitos documentos antigos da língua portuguesa) só é empregada, que saibamos, nestas condições: — quando precede ao verbo o advérbio não, como no exemplo dado acima; - quando o verbo termina a proposição: É tudo quanto haiVô vê se inda hai (Vou ver se ainda há).[20]

Poema de Mimnermo
Português Caipira
Como as folhas que brotam na primavera em flor Cumo as fôia que brota na primavera im frô
e crescem rápidas à luz do sol, i rápidas tão creçudas à lúiz do sór,
assim é que nós somos; ansim é que nói semo;
como essas folhas, por exíguo prazo cumo estas fôia, pur pôco tempo
podemos usufruir da juventude em flor, pudemo pruveitá da mocidade im frô,
desconhecendo, por divina graça, discunheceno, pur devina graça,
quer o mal, quer o bem. quié o má, quié o bem.
A cada lado estão as negras Parcas: A cada lado tão as sombrias Parcas:
traz uma a cruel velhice, a outra a morte. tráiz u'a a crué veíce, a ôtra a morte.
Da juventude o fruto dura muito pouco, Da mocidade o fruito dura munto pôco,
não mais que sobre a terra à luz do sol; não mai que sobre a terra à lúiz do sór;
e quando possa a plenitude desse tempo i quano possa a prenitude deste tempo
e então melhor morrer do que viver. i antonce mió morrê do que vivê.
Mapa dos falares do estado de Minas Gerais. No norte, o falar geraizeiro. No centro e leste, o falar mineiro. No sul e oeste, o falar caipira.

O dialeto caipira pode ser dividido em cinco subdialetos:

Referências
  1. «Sotaque caipira teve origem na capital paulista, diz estudo». correiodoestado.com.br. Consultado em 19 de dezembro de 2024 
  2. «Dialeto caipira do interior paulista está caindo em desuso, aponta pesquisa». Jornal da USP. 1 de abril de 2022. Consultado em 19 de dezembro de 2024 
  3. Amaral, Amadeu (1976). O dialeto caipira. São Paulo: Hucitec 
  4. Pontes, Ismael (1992). «A vocalização do /r/ pós-vocálico oriundo de /l/ no dialeto caipira». Consultado em 24 de abril de 2022 
  5. Cristino, Tathiane; Busse, Sanimar (19 de dezembro de 2019). «O FALAR CAIPIRA NÃO É UM PROBREMA – UM ESTUDO DO ROTACISMO E DO RETROFLEXO NO FALAR CASCAVELENSE». Revista Primeira Escrita (6): 36. ISSN 2359-0335. Consultado em 24 de abril de 2022 
  6. DA SILVA, Hélen Cristina (2012). O /R/ CAIPIRA NO TRIÂNGULO MINEIRO: UM ESTUDO DIALETOLÓGICO E DE ATITUDES LINGUÍSTICAS (PDF). [S.l.: s.n.] 
  7. «O FALAR CAIPIRA COMO INFLUÊNCIA DE LOCUS NA CONSTRUÇÃO DE GRUPO» 
  8. NAVARRO, Eduardo de Almeida (2017). «A influência do tupi antigo e das línguas gerais coloniais na formação do português falado no Brasil». Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (101): 53 e 54. Consultado em 27 de março de 2022. Cópia arquivada em 19 de março de 2022 
  9. AMARAL, Amadeu. O Dialeto Caipira (PDF). [S.l.: s.n.] 
  10. AMARAL, Amadeu. «O dialeto caipira» (PDF) 
  11. Castro (2006), p. 20.
  12. Ferraz, Irineu da Silva (2005). «Características Fonético-Acústicas do /r/ Retroflexo do Português Brasileiro: Dados de Informantes de Pato Branco (PR).» (PDF). Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Paraná (UFPR)  Pág. 19-21
  13. Leite, Cândida Mara Britto (2010). «O /r/ em posição de coda silábica na capital do interior paulista: uma abordagem sociolinguística». Sínteses  Pág. 111 (pág. 2 do PDF em anexo)
  14. Castro (2006), pp. 81 a 85.
  15. Castro (2006), pp. 85 a 89.
  16. Castro (2006), pp. 94 a 96.
  17. Bagno (2011), p. 328.
  18. Bagno (2011), p. 705.
  19. Ferreira, Jesuelem Salvani; Tenani, Luciani (2009). «A redução do gerúndio à luz da fonologia Lexical» (PDF). Estudos Linguísticos. 38 (1): 63-64  (pag. 5 e 6 do pdf em anexo).
  20. Amaral, Amadeu. «O dialeto caipira» (PDF) 
  21. a b c d Amaral, Amadeu (1976). O dialeto caipira. São Paulo: Hucitec 
  22. Rodrigues, Ada Natal (1987). O dialeto caipira na região de Piracicaba. São Paulo: Atica 
  23. Machado-Soares, Eliane Pereira (2010–2012). «Aspectos fonéticos, fonológicos e sociolinguísticos das palatais lateral e nasal» (PDF). Revista de Letras  Pág. 111
  24. Amaral, Amadeu (1976). O dialeto caipira. São Paulo: Hucitec 

Ligações externas

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