Razia
Razia (do francês razzia, rezzou, por sua vez do árabe غز; ghazw ou ghazah, "batalha"), na literatura europeia ocidental, é um termo que designa a invasão de território inimigo ou estrangeiro, numa incursão rápida visando o saque (de rebanhos, alimentos, pessoas). Por extensão de sentido, pode se referir a malefícios, depredações ou danos, materiais ou espirituais, praticados por um grupo contra outro.[1] No contexto da Idade Média na Península Ibérica, é frequente designar as razias por aceifas.
As primeiras razias importantes de muçulmanos contra territórios cristãos da Península Iberica começaram após a derrota de Bermudo I das Astúrias pelo emir andalusino Hixame I, na batalha do Burbia (791), que chegou a saquear a cidade de Oviedo a 794[2] Com a subida ao trono das Astúrias de Afonso II, o Casto e a vitória cristã na batalha de Lutos, as razias mouras são interrompidas, dando início a uma série de razias cristãs em resposta, como a de 798 a Lisboa.
As lutas internas no seio do próprio Emirado de Córdova interromperam também as incursões — ou, pelo menos, de forma intensiva — até à subida ao trono de Abderramão II. Após acabar com as pretensões do seu tio Abedalá ao trono e sufocar uma revolta em Múrcia, organizou razias anuais contra os cristãos (no seu pico de intensificação chegaram a organizar-se três durante o mesmo ano). A maioria dirigiu-se contra Álava e, especialmente, Galiza, que seria a região mais vulnerável do Reino das Astúrias. Não obstante, houve também ataques contra Ausa (Vic), Barcelona, Girona e inclusivamente Narbona, nas expedições dos anos 828, 840 e 850.[3]
Nas leis dos muçulmanos na península existia o preceito de como se havia de realizar a guerra santa:
“ | A guerra santa deve efectuar-se a cada ano, com força militar suficiente, contra o lado mais exposto. É um dever de solidariedade (uns contribuindo com as suas pessoas, outros com os seus bens) que se impõe a todo varão de condição livre, púbere e válido […][4] | ” |
Esse preceito seria zelosamente cumprido por Almançor que, no ano 981, em que Hixame II lhe delega os seus poderes, foi nomeado al-Mansür bi-llah ("O Vitorioso de Deus") e passou a organizar até cinco expedições a terras cristãs.
A sua morte, após a batalha de Calatañazor (1002), deixou um legado impressionante: 52 campanhas militares vitoriosas contra os reinos cristãos[5] das quais melhor se conhecem as organizadas contra Barcelona (985) e Santiago de Compostela (997), onde, segundo a lenda, obrigou os escravos cristãos a carregar com os sinos da catedral até Córdova. Na lista de alvos, incluem-se um grande número de mosteiros cristãos, como o de San Millán de Suso, cidades portuguesas, ou mesmo as capitais dos reinos cristãos de Pamplona e Leão, que chegou a saquear quatro vezes[6]
Durante a dominação almorávida e almóada, as razias dirigiram-se tanto ao território cristão como ao muçulmano. Os almorávidas percorreram todo o Norte de África até ao Gana. O fanatismo desses novos invasores resultaria na aliança de alguns reis menores de taifas com os reinos cristãos do Norte, convertendo-se também em alvos dessas razias.
As últimas razias importantes em território peninsular produziram-se pouco depois da batalha de Alarcos, em 1198, contra Madrid, e em 1199 a Guadalajara. A batalha de Navas de Tolosa (1212) arruinaria definitivamente o poder militar almóada, e o Al-Andalus não voltaria a passar à ofensiva.
Ver também
[editar | editar código-fonte]- ↑ Dicionário Houaiss, verbete "razia".
- ↑ Correa, Hortensio Sobrado, "Historia de Galícia", Vigo : Nigra Trea, 2004. ISBN 84-95364-22-0 9788495364227
- ↑ Ibne Haiane de Córdova. Almuqtabis II-1 (Crónica dos emires Aláqueme I e Abderramão II entre os anos 796 e 847). Saragoça, Instituto de Estudos Islâmicos e do Oriente Próximo, 2001 (Trad., notas e índices de Mahmud ali Makki e Federico Corriente).
- ↑ Maíllo Salgado, Felipe: La Guerra Santa según el derecho Malikí. Su preceptiva. Su influencia en el derecho de las comunidades cristianas del medioevo hispano, "Studia Histórica, Historia Medieval", Salamanca:Ediciones Universidad de Salamanca, vol. I, nº 2 (1983), p. 32. ISSN: 0213-2060
- ↑ 'Sobre as campanhas militares de Almançor', Miscelânea de Estudos Árabes e Hebraicos, XIX-XV. I (1965-1966), p. 7-29. Publicada em inglesa: "New light on the military campaigns of Almanzor". Islamic Quarterly. XIV (1970), Pp. 126-142.
- ↑ GÓMEZ, J. Castellanos ,Geoestratégia na Espanha muçulmana: as Campanhas Militares de Almançor. Centro de Publicações do Ministério da Defesa. ISBN 978-84-7823-967-2