Getas
Getas (em grego: Γέται, singular Γέτης) é o nome dado pelos gregos a diversas tribos trácias ou dácias que ocuparam as regiões ao sul do Baixo Danúbio, na região do atual norte da Bulgária, e ao norte do Baixo Danúbio, na Romênia. A região ocupa a hinterlândia das colônias gregas da costa do Mar Negro, o que propiciou aos getas contato com os gregos antigos desde tempos muito antigos.
História
A partir do século VII a.C. os getas entraram em contato econômico e cultural com os gregos, que estavam estabelecendo colônias no lado ocidental do Ponto Euxino (atual Mar Negro). Historicamente, os getas foram mencionados pela primeira vez por Heródoto, em sua narrativa sobre a campanha cita de Dario I, em 513 a.C.. De acordo com Heródoto, os getas diferiam de outras tribos trácias por sua religião, centrada em torno do deus (daimon) Zalmoxis, a quem alguns dos getas chamavam de Gebeleizis.[1]
Entre os séculos V e III a.C. os getas estiveram principalmente sob o domínio do então florescente reino odrísio. Durante este período os getas forneceram serviços militares a seus soberanos, e tornaram-se célebres por sua cavalaria. Após a desintegração do reino, pequenos principados getas começaram a se consolidar.
Antes de partir em sua expedição persa, Alexandre, o Grande derrotou os getas e devastou um de seus acampamentos.[2] Em 313 a.C. os getas formaram uma aliança com Cálatis (atual Mangalia), Odesso e outras colônias pônticas contra Lisímaco, que ocupava uma fortaleza em Tirizis (atual Caliacra).[3]
Os getas floresceram especialmente na primeira metade do século III a.C.. Por volta de 200 a.C., a autoridade do príncipe geta Zalmodégico chegava até Istrópolis, como mostra uma inscrição contemporânea.[4] Outros príncipes poderosos foram Zoltes e Remaxos (por volta de 180 a.C.); diversos monarcas getas cunhavam suas próprias moedas. Autores da Antiguidade como Estrabão[5] e Dião Cássio[6] afirmaram que os getas cultuavam seus soberanos, o que pode ser confirmado pelos restos arqueológicos.
Em 72-71 a.C. Marco Terêncio Varrão Lúculo tornou-se o primeiro comandante romano a marchar contra os getas; a intenção era atacar os aliados de Mitrídates VI na região ocidental do Ponto, porém o sucesso de sua expedição foi limitado. Uma década mais tarde, uma coalizão de citas, getas, bastarnas e colonos gregos derrotaram Caio Antônio Híbrida em Istro.[7][8] Esta vitória sobre os romanos permitiu que Burebista dominasse a região por um breve período (60-50 a.C.).
O imperador romano Augusto tinha como meta subjugar toda a península balcânica, e utilizou uma incursão dos bastarnas ao outro lado do Danúbio como pretexto para devastar getas e trácios. Marco Licínio Crasso foi encarregado de executar o plano; em 29 a.C. Crasso derrotou os bastarnas, com a ajuda do príncipe geta Roles.[9] Crasso lhe prometeu auxílio, em troca de ajuda contra o líder geta Dapix.[10] Assim que Crasso alcançou o delta do Danúbio, fez com que Roles fosse coroado rei e retornou a Roma. Em 16 a.C. os sármatas invadiram o território geta e foram expulsos por tropas romanas.[11] Os getas receberam o comando o rei vassalo de Roma na Trácia, Remetalces I. Em 12 e 15 d.C. mais tropas romanas foram enviadas para a região, e em 45 a província da Mésia foi fundada.
Relação com os dácios
Existem controvérsias entre os estudiosos acerca da relação dos getas com os dácios. As fontes da Antiguidade Clássica alegavam uma identidade comum étnica e linguística entre os dois povos; em sua Geografia Estrabão escreveu que as duas tribos falavam o mesmo idioma.[12] Justino acreditava que os dácios eram os sucessores dos getas.[13] Em sua História romana, Dião Cássio descreveu os dácios como habitando ambos os lados do Baixo Danúbio; os que se situavam na margem sul do rio (no atual norte da Bulgária), na Mésia, eram chamados de 'mésios', enquanto os que viviam ao norte do rio eram os dácios, que eram, segundo ele, "getas ou trácios da raça dácia."[14] mas também enfatizou o fato de que ele chamava os dácios pelo nome usado "pelos próprios nativos, além dos romanos", e que ele "não ignora que alguns autores gregos referem-se a eles como getas, esteja isto correto ou não".[15]
De acordo com estes testemunhos alguns acadêmicos romenos e búlgaros[16] desenvolveram hipóteses e teorias acerca das características culturais, étnicas e linguísticas comuns no espaço ao norte do Monte Hemo, onde ambas as populações localizavam-se. O linguista Ivan Duridanov identificou uma "área linguística dácia"[17] na Dácia, na Cítia Menor, na Baixa Mésia e na Alta Mésia. O arqueólogo Mircea Babeş mencionou uma "verdadeira unidade etnocultural" entre os getas e os dácios, enquanto o historiador e arqueólogo Alexandru Vulpe encontrou uma "notável uniformidade" na cultura geto-dácia.[18] Também foram feitos estudos acerca da confiabilidade e das fontes do relato de Estrabão.[19]
Algumas destas interpretações ecoaram em outras historiografias.[20]
Para o historiógrafo romeno Lucian Boia, "a um certo ponto, a frase 'geto-dácia' foi cunhada na historiografia romena para sugerir uma unidade entre os getas e dácios."[21] Boia assume uma posição cética, e argumenta que os autores antigos distinguiam entre os dois povos, tratando-os como dois grupos distintos do ethnos trácio.[21][22] Boia também afirma que seria ingênuo presumir que Estrabão conhecia os dialetos trácios tão bem,[21] alegando que ele "não tinha competência no campo dos dialetos trácios"[22] e enfatizando que alguns autores romenos citam-no indiscriminadamente, a despeito disso.[22] Sua posição foi sustentada por outros acadêmicos; o historiador e arqueólogo G. A. Niculescu também criticou a interpretação arqueológica e historiográfica romena, especialmente a respeito da suposta cultura "geto-dácia".[23]
- ↑ Heródoto, Histórias, 4.93-4.97.
- ↑ Arriano, Anábase de Alexandre, Livro IA. Citação: "The Getae did not sustain even the first charge of the cavalry; for Alexander’s audacity seemed incredible to them, in having thus easily crossed the Ister, the largest of rivers, in a single night, without throwing a bridge over the stream. Terrible to them also was the closely-locked order of the phalanx, and violent the charge of the cavalry. At first they fled for refuge into their city, which. was distant about a parasang from the Ister; but when they saw that Alexander was leading his phalanx carefully along the side of the river, to prevent his infantry being anywhere surrounded by the Getae lying in ambush, but that he was sending his cavalry straight on, they again abandoned the city, because it was badly fortified." ("Os getas não suportaram nem mesmo a primeira carga da cavalaria; pois a audácia de Alexandre lhes parecia incrível, por ter cruzado tão facilmente o Istro, o maior dos rios, numa única noite, sem sequer lançar uma ponte sobre suas águas. Também lhes pareceu terrível a ordem fortemente cerrada de suas falanges, e a violenta carga de sua cavalaria. Primeiro fugiram, procurando refúgio em sua cidade, que se localizava a cerca de uma parasanga do Istro; porém quando viram que Alexandre liderava sua falange cuidadosamente, ao longo das margens do rio, para impedir que caíssem numa emboscada dos getas, e que havia ordenado à sua cavalaria que avançasse, abandonaram a cidade, por ser mal-fortificada.")
- ↑ Estrabão, Geografia, 7.6.1. "On this coast-line is Cape Tirizis, a stronghold, which Lysimachus once used as a treasury." ("Neste litoral está o Cabo Tirizis, uma fortaleza, que Lisímaco usou certa vez como cofre.")
- ↑ Supplementum Epigraphicum Graecum, 18.288
- ↑ Estrabão. Geografia, 16.2.38-16.2.39.
- ↑ Dião Cássio. História romana, 68.9.
- ↑ Lívio. Ab Urbe Condita, 103.
- ↑ Dião Cássio. História Romana, 38.10.1-38.10.3.
- ↑ Dião Cássio. História Romana, 52.24.7; 26.1.
- ↑ Dião Cássio. História Romana, 51.26.
- ↑ Dião Cássio. História Romana, 54.20.1-54.20.3.
- ↑ Estrabão. Geografia, Livro VII, cap. 3.13. Citação: "The language of the Daci is the same as that of the Getae." ("A língua dos dácios é a mesma dos getas.")
- ↑ Justino, Epítome de Pompeu Trogo: "Daci quoque suboles Getarum sunt" ("Os dácios também são uma ramificação dos getas.")
- ↑ Dião Cássio. História Romana, 55.22.6-55.22.7. "The Suebi, to be exact, dwell beyond the Rhine (though many people elsewhere claim their name), and the Dacians on both sides of the Ister; those of the latter, however, who live on this side of the river near the country of the Triballi are reckoned in with the district of Moesia and are called Moesians, except by those living in the immediate neighbourhood, while those on the other side are called Dacians and are either a branch of the Getae are Thracians belonging to the Dacian race that once inhabited Rhodope." ("Os suevos, para ser exato, vivem além do Reno (embora muitos outros povos utilizem o seu nome), e os dácios em ambos os lados do Istro; aqueles entre estes últimos, no entanto, que vivem no lado do rio próximo ao país dos tribálios são identificados com o distrito da Mésia e são chamados de Mésios - com a exceção daqueles que vivem nos territórios vizinhos - enquanto os que vivem do outro lado do rio são chamados de dácios, e podem ser tanto uma ramificação dos getas quanto trácios que pertencem à raça dácia que habitou Ródope.")
- ↑ Dião Cássio. História Romana, 67.6.2.
- ↑ Giurescu, Constantin C. (1973). Formarea poporului român (em romeno). Craiova: [s.n.] p. 23 Citação: "Eles (dácios e getas) são dois nomes para o mesmo povo […] dividido num grande número de tribos". Ver também a hipótese de uma área dialetal / língua daco-mésia, corroborada por linguistas como Vladimir Georgiev, Ivan Duridanov e Sorin Olteanu.
- ↑ Duridanov, Ivan. «The Thracian, Dacian and Paeonian languages». Consultado em 11 de fevereiro de 2007
- ↑ Petrescu-Dîmboviţa, Mircea; Vulpe, Alexandru (eds), ed. (2001). Istoria Românilor, vol. I (em romeno). Bucharest: [s.n.] Vulpe, no entanto, fala dos geto-dácios como um conceito convencional e instrumental para definir as tribos trácias que habitavam o espaço, e não como significando uma "unidade étnica, linguística ou histórica absoluta".
- ↑ Janakieva, Svetlana (2002). «La notion de ΟΜΟΓΛΩΤΤΟΙ chez Strabon et la situation ethno-linguistique sur les territoires thraces». Études Balkaniques (em francês) (4): 75–79 O autor concluiu que as alegações de Estrabão representaram o resultado de uma experiência de muitos séculos de vizinhança e interferências culturais entre os gregos e as tribos trácias.
- ↑ The Cambridge Ancient History (Volume 3) 2nd ed. [S.l.]: Cambridge University Press. 1982 No capítulo 20c, "Linguistic problems of the Balkan area", à página 838, Ronald Arthur Crossland argumenta que "pode ser que a distinção feita por gregos e romanos entre os getas e os dácios, por exemplo, refletisse a importância de diferentes parcelas de um povo linguisticamente homogêneo, em diferentes épocas." Ele também relembra o testemunho de Estrabão e a hipótese de Georgiev por uma língua 'traco-dácia'.
- ↑ a b c Boia, Lucian (2004). Romania: Borderland of Europe. [S.l.]: Reaktion Books. p. 43. ISBN 1-86189-103-2
- ↑ a b c Boia, Lucian (2001). History and Myth in Romanian Consciousness. [S.l.]: Central European University Press. p. 14. ISBN 9639116971
- ↑ Niculescu, Gheorghe Alexandru (2004–2005). «Archaeology, Nationalism and "The History of the Romanians" (2001)». Dacia - Revue d'archéologie et d'histoire ancienne (48-49): 99–124 O autor dedicou grande parte de seu estudo à arqueologia dos "geto-dácios" e concluiu que, com poucas exceções, "as interpretações arqueológicas […] seguem os conceitos de cultura, arqueologia e etnicidade de G. Kossinna".