Brigantes
Os brigantes eram um povo celta que, na Idade do Ferro e até a ocupação romana, controlou grande parte do norte da atual Inglaterra, com centro na atual Yorkshire. No noroeste limitavam com os carvécios, com os parísios a leste e a sul com os coritanos e os cornóvios. O seu reino era conhecido como Brigância e a sua capital Isúrio Briganto (Aldborough, em North Yorkshire). Outras povoações importantes foram Eboraco (Iorque), Rigoduno (Castleshaw, em Manchester) e Olicana (Elslack, em North Yorkshire).
A raiz do nome significa "alto" ou "elevado", mas não está claro se é uma alegoria de nobreza ou faz referência ao fato de situarem os seus assentamentos fortificados nas alturas das colinas. Também era o nome da sua deusa tutora, Brigância, deusa mãe, da vitória e da soberania.[1]
História
editarBritânia pré-romana
editarAs origens dos brigantes são obscuras. Houve vários antigos assentamentos com o nome de "Brigâncio" na Europa continental, e até mesmo uma tribo brigantes na atual Betanzos, Espanha, na Galécia. Provavelmente esta última estava relacionada à tribo britânica, assim como os brigantes dos Alpes, na antiga Récia (atuais Bregenz e Briançon). Os brigantes foram a única tribo celta em habitar tanto a Grã-Bretanha como a Irlanda, onde povoaram os condados de Wexford, Kilkenny e Waterford. Levando em conta o exposto, para alguns este povo migrou da Récia à península Ibérica, dali expandiria-se à Irlanda e finalmente à Grã-Bretanha.[1][2]
Quer relacionados ou não com as tribos da Espanha ou dos Alpes, certamente fizeram parte das invasões de Hallstatt,[3] a onda celta que ocupou a Grã-Bretanha, e provavelmente cresceram desde uma confederação de pequenas tribos e clãs até absorver outros povos, como os Gabrantovices (North Yorkshire), Latenses (Leeds), Setâncios (Lancashire), Lopocares e Textoverdes (a norte, onde se construiria o Muro de Adriano e até mesmo os carvécios de Cúmbria, que recuperariam a sua autonomia com a invasão romana.
Britânia romana
editarAs invasões de César
editarA primeira invasão de Prydein (como chamavam nesse então à ilha os seus habitantes) por Roma foi efetuada por Júlio César, que em 55 a.C. despregou uma operação de alcance limitado em Kent e em 54 a.C., com um melhor conhecimento do país, desembarcou novamente para a sua conquista. Avançou pelo sudeste até vencer os Catuvelaunos, mas decidiu invernar na Gália e os fatos posteriores impediram o seu regresso.
O território dos brigantes não resultou afetado por este primeiro ataque. Na Britânia podiam reconhecer-se a essas alturas três áreas de influência: o reino dos brigantes a norte, a zona de hegemonia dos Catuvelaunos e as tribos do Gales.
A conquista
editarEm 43 o imperador Cláudio prosseguiu a conquista romana da Britânia, encomendando o comando a Aulo Pláucio com a desculpa de repor no trono a Verica, um rei exilado dos atrébates. A principal resistência foi feita por uma confederação das tribos dos catuvelaunos e os trinovantes, liderada por Carataco (Caradawc) e Togoduno, os filhos do rei dos catuvelaunos, Cunobelino, mas foi depressa superada e Pláucio conseguiu tomar a sua capital, Camuloduno (atual Colchester), com o que onze chefes do sudeste da Britânia renderam-se a Cláudio, entre eles os dos atrébates, os icenos e a rainha dos brigantes Cartimándua. Togoduno foi morto mas Carataco conseguiu fugir para oeste e tornou-se líder da resistência, centrada em Gales.
Em 44, o comandante da Legio II Augusta, Tito Flávio Vespasiano, dirigiu uma força expedicionária contra o oeste da ilha, enquanto a Legio IX Hispanica foi enviada para norte, para Lincoln.
Em 47, o novo governador da Britânia, Publius Ostorius Scapula, foi obrigado a abandonar a sua campanha contra os Deceanglos do norte de Gales ante um levantamento de uma facção dos brigantes, contra os que agiu depressa executando os seus cabecilhas.[4]
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Britânia, 54 a.C., invasão de César.
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Britânia, segunda invasão romana.
Aliança e rebelião
editarEm 51, Públio Ostório Escápula venceu finalmente a Carataco, que liderava os siluros e ordovicos, na Batalha de Caer Caradoc. O derrotado caudilho da revolta em Gales, Carataco, fugiu para norte e solicitou refúgio à rainha dos brigantes Cartimándua, mas esta entregou-o encadeado aos romanos, que premiaram a ação qualificando-a junto ao seu esposo Venúcio como leal amiga e protegida de Roma.[5]
Pronto Cartimándua pôs a prova a aliança: divorciou-se de Venúcio, que se alçou em armas contra a rainha e os seus aliados romanos durante o governo de Aulo Dídio Galo (52–57).
Venúcio tornou-se forte na fortificação de Stanwick,[6] enquanto em 53 Roma consolidou a sua posição a sul de Brigância, construindo fortificações em Templeborough (Rotherham), Brough on Noe e Rossington Bridge (Doncaster).[7]
Após vantagens parciais obtidas por um e outro bando, finalmente em 56 Venúcio foi derrotado pela IX na região de Barwick in Elmet.[8] Sufocada a revolta, Cartimándua tomou Velocato por marido, antigo companheiro de armas de Venúcio. Brigância manteve a sua aliança com Roma até mesmo durante a grande rebelião liderada pela rainha dos icenos, Boadiceia, que pôs em xeque o domínio romano da Britânia.
Em 69, aproveitando o caos de Roma no Ano dos quatro imperadores, Venúcio alçou-se novamente em armas, com apoio de tropas dos carvécios, nóvantas e Sélgovas. Roma apenas pôde enviar tropas auxiliares, as quais não chegaram para impedir a ocupação do país, mas pelo menos puderam resgatar a rainha.[9]
Ocupação e resistência
editarQuando Vespasiano se converteu finalmente no imperador, enviou Quinto Petílio Cerial como governador da Britânia, quem em 71 iniciou a contraofensiva contra os brigantes.[10] Se bem que os venceu em 73, empurrando os sobreviventes rebeldes para norte (Caledônia), tardou vários anos em completar uma relativa pacificação do território.
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Britânia, 79
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Britânia, século II.
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Britânia, reorganização de Constâncio.
Do governo de Cneu Júlio Agrícola (governador entre 78—84) conservam-se registros a respeito de operações militares em território dos brigantes durante o ano 80,[11] prelúdio da ofensiva romana sobre Caledônia que culminou na vitória na Batalha de Monte Gráupio.
O poeta romano Juvenal escreveu a princípios do século II uma cena onde um romano insta ao seu filho a atingir a glória destruindo os fortes dos brigantes.[12] Em efeito, as rebeliões continuaram: entre 100 e 105 houve um levantamento sob o rei Argírago, em 115 uma nova sublevação aniquilou as guarnições romanas de Eboraco (Iorque) e em 118 uma nova rebelião dos brigantes foi também derrotada.
Em 122 o imperador Adriano visitou Britânia e decidiu construir uma linha fortificada, que seria conhecida como Muro de Adriano, com o objetivo direto de deter os pictos nas suas incursões, mas também para manter isolados os brigantes das tribos do norte, dificultando-lhes a coordenação de uma ação comum.
Há referências assim mesmo de Pausânias[13] a uma campanha efetuada durante o reinado de Antonino Pio (r. 138–161). A avançada foi consolidada com uma nova linha fortificada, a chamada Muralha de Antonino Pio (142–144).
Sendo governador romano da Britânia Cneu Júlio Vero, entre 154 e 157, houve uma nova rebelião dos brigantes e como consequência perderam tudo direito como Estado cliente.
Na divisão administrativa romana de 197, a antiga Brigância fez parte da Britânia Inferior, embora por um tempo a sua população foi regida diretamente pela autoridade militar.
Em 208, Sétimo Severo e os seus filhos Geta e Caracala empreenderam uma última e infrutífera campanha ofensiva contra os caledônios.
Na reorganização efetuada por Constâncio Cloro, possivelmente em 296 durante o principado de Diocleciano,[14] a antiga Brigância foi integrada à Britânia Secunda, com capital em Iorque (Eboraco).
Em 306 o imperador Constâncio Cloro enfermou durante uma expedição contra os pictos na Caledônia, falecendo na capital brigantina, Eboraco, e ali as suas tropas proclamaram imperador ao seu filho, Constantino.
Não há maiores referências: a partir destas datas e especialmente desde a invasão de 367 as incursões de pictos e escotos são permanentes e a terra dos brigantes é na realidade zona de guerra.
Pronto a pressão também vinho do sul. Desde 383 registram-se incursões de frisões e saxões, as quais se toraram mais fortes à medida que, por um lado, aumentava sobre os povos germanos a pressão de oeste e, por outro, as forças romanas reduziam-se com a partida de uma legião com Máximo em 384 e outra para combater aos visigodos de Alarico na península Itálica em 401.
As invasões
editarQuando em 407 a última legião da Britânia, a Legião II Augusta, embarcou para a Gália, os brigantes ficaram na primeira linha enfrentando o reborde final de pictos e escotos e tão somente um ano depois, os pictos avançaram para sul superando as defesas dos brigantes, enquanto os saxões invadiam sem o conhecimento dos bretões, que conseguiram a duras penas contê-los, enquanto pediam ajuda contra os bárbaros ao Imperador Honório em 410, sem resultado.[15]
Na Britânia Secunda, na região do sul de Escócia e norte da atual Inglaterra que incluía os brigantes e que começou a ser chamada Yr Hen Ogledd ("O velho norte")[16] o último dos duques da Britânia,[17] Coel Hen "O Protetor", pôde criar e manter um reino unido durante os primeiros anos,[18] mas à sua morte dividiu-se em três reinos e gradualmente a organização voltou às suas bases tribais históricas.
O período de 410 a 455 foi uma "Idade Escura" na Inglaterra, de anarquia tribal, guerras, fomes e conflitos religiosos. Quando São Germano de Auxerre visitou a ilha em 429 esse foi o panorama que viu. Segundo a lenda, reagrupou os romanos e conseguiu uma grande vitória o dia de Pásqua.[19]
Em 446 o partido pró-romano solicitou ao general romano Aécio o envio de auxílio para fazer face às tribos do norte, o que não foi possível (enfrentava Atila). O caudilho Vortigerno, que usurpara o título de grande rei em 425 e liderava a facção anti-romana, favorecera a instalação de tribos germânicas para consolidar a sua posição nas guerras civis. O chefe da facção prorromana, Ambrósio Aureliano, conseguiu vencê-lo na batalha de Guoloph (Wallop, perto de Salisbúria) e consolidar-se no oeste, mas no leste anglos, saxões e jutos continuaram fortalecendo as suas posições. Por volta de 452 estes venceram os pictos, mas também se tinham aberto as portas a uma migração em grande escala. Os jutos, por volta de 456, eliminaram o seu aliado Vortigerno e tomaram Kent. Começava a invasão germânica.[20]
Em 477, os saxões desembarcaram na costa meridional e criaram o reino de Sussex ("saxões do sul"). Um novo grupo desembarcou a oeste e fundou Wessex ("saxões do oeste") e outro a norte de Kent Essex ("saxões do este").
Ao redor de 540, somaram-se os anglos, que criaram uma série de reinos a norte do Tâmisa. Na terra dos icenos fundaram o reino da Ânglia Oriental, a oeste, o de Mércia ("marca", "fronteira"). Os britanos ficaram isolados a norte e oeste de Mércia, em terras ancestrais dos brigantes e no Gales.
A norte, para além do rio Humber, os celtas reorganizaram-se em pequenos reinos: Deira (Yorkshire) na terra dos parísios, mais a norte, na dos brigantes, Elmet (com centro em Loidis, Leeds), Craven e Bernícia (até o estuário de Firth), mais para lá Rheged no território ancestral dos carvécios e adentrando-se na Escócia, na terra dos votadinos, o reino de Gododdin.[21]
Porém, o avanço dos novos invasores continuou: em 547 o anglo Ida tornou-se rei de Bernícia, em 559 Aela em rei de Deira, em 604 o neto de Ida, Etelfrido, rei de Bernícia, unificou o seu reino com Deira, criando o da Nortúmbria, que se consolidaria em 617 sob o rei Eduíno, filho de Aela, quem absorveria Elmet à morte do seu rei, Ceretic, tornando-se o mais poderoso rei anglo-saxão da época. Iorque, a antiga Eboraco, seria a sua capital. A terra dos brigantes já era saxã.
Assentamentos
editarPtolemeu menciona nove cidades principais dos brigantes, a saber;
Nome em latim | Atual | Condado |
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Epíaco | Whitley Castle | Northumberland |
Vinôvio | Binchester | County Durham |
Caturactônio | Catterick | North Yorkshire |
Calato | Burrow, Lonsdale | Lancashire |
Isúrio Briganto | Aldborough | North Yorkshire |
Rigoduno | Castleshaw | Grande Manchester |
Olicana | Elslack | North Yorkshire |
Eboraco | Iorque | Iorque |
Camboduno | Slack | West Yorkshire |
Outros assentamentos conhecidos foram:
Ver também
editar- ↑ a b «The Brigantes». Roman-Britain.org. Agosto de 2008
- ↑ «Brigantium». Terra.es. Agosto de 2008
- ↑ Entre as tribos britanas distinguem-se três grupos:
- as preceltas, arribadas no III milênio a.C. e provavelmente de origem ibérica: Siluros, démetas e carnábios
- as celtas da Cultura de Hallstatt, que dominavam a metalurgia do ferro e substituíram em grande parte do território as tribos preceltas: brigantes, dumnônios, durotriges, dubônios, cornóvios, ordovicos, ganganos, deceanglos, icenos, coritanos, parísios, carvécios, votadinos, etc.
- as belgas da Cultura de La Tène, de forte ascendência germânica, que no século V a.C. se estabeleceram no sudeste: atrébates, regnos, cancíacos, trinobantes e Catuvelaunos.«Brigantium». britania.tk. Agosto de 2008
- ↑ Tácito, Anais 12.32
- ↑ Tácito, Anais 12:36
- ↑ fortificação de Stanwick, em brigantesnation.com
- ↑ Fortes romanos, em roman-britain.org
- ↑ Tácito, Anais12:40
- ↑ Tácito, Histórias 3:45
- ↑ Tácito, Agrícola 17
- ↑ Tácito, Agrícola 20
- ↑ Juvenal, Sátiras 14.196
- ↑ Pausânias, Descrição da Grécia 8.43.4
- ↑ A ocasião não é segura, o seguro é que em 312 já estava efetuada.
- ↑ A resposta que o imperador do Ocidente Honório deu às cividades bretonas foi que em diante deveriam procurar-se a defesa por si mesmas([1])
- ↑ Ver Hen Ogledd
- ↑ Duques dos Bretoes, título dos que comandavam as tropas romanas no norte
- ↑ Ver Old King Cole
- ↑ St. Germanus' Visit to Britain - AD 429
- ↑ Os tempos escuros, em britannia.com
- ↑ Ver Gododdin
- Este artigo foi inicialmente traduzido, total ou parcialmente, do artigo da Wikipédia em castelhano cujo título é «Brigantes».
Bibliografia
editar- Branigan, Keith, Rome and the Brigantes : the impact of Rome on northern England, University of Sheffield, 1980, ISBN 0-906090-04-0
- Hartley, Brian, The Brigantes, Sutton, 1988, ISBN 0-86299-547-7
- Tácito, Anais
- Tácito, Histórias
- Tácito, Agrícola
- Suetônio, Vidas dos doze césares
- Dião Cássio, História de Roma
- Ptolemeu, Geografia
- Godofredo de Monmouth, Historia Regum Britanniae
Ligações externas
editar- (em inglês) Os brigantes em Roman-Britain.org
- (em inglês) Os brigantes em Romanos na Bretanha
- (em inglês) A nação dos brigantes
- (em inglês) Brigância, Cartimándua e Gwenhwyfar
- (em inglês) História da Britânia até a conquista saxã
- (em inglês) Britannia History
- Cronologia
- Cidade de Brigantium, na Hispânia
- (em inglês) Tribos da Britânia
- Recorrido em 3D do forte Housesteads, parte do Muro de Adriano