Monjolo
Monjolo é uma máquina hidráulica rústica, destinada ao beneficiamento e moagem de grãos. A ferramenta foi importante, pois dispensava o uso de mão de obra escrava, que antes utilizava um pilão que trituravam os grãos de milho ou de arroz.[1]
Pode ser usado para descascar e triturar grãos secos , resultando numa farinha mais espessa.[2] Diversos alimentos, como o fubá e a farinha de milho, eram produzidos por meio do esmagamento nos monjolos. A ferramenta tinha capacidade de socar até trinta litros de milho em uma hora e meia. A expressão popular "trabalhar de graça, só monjolo" surgiu daí.[3]
Com o efeito gangorra, a água impulsiona a ferramenta fazendo-a ter movimento. Em uma extremidade, uma concha é enchida com a água, fazendo a outra parte, equipada com uma estaca, se levante. Ao esvaziar a cuba, o movimento se inverte. Com esse movimento, os grãos vão sendo socados e moídos dentro de um pilão. Obviamente, a tarefa é mais demorada quando comparada com os equipamentos elétricos atuais, mas há considerável economia de energia.[1]
Além da função primária do monjolo de descascar e moer grãos, nas fazendas pelo interior do Brasil ele tomou também outra importante função: espantar pacas e lontras que vinham do rio para se alimentarem e que estragavam a plantação. A cada batida da mão do monjolo no fundo do cocho, respeitando a periodicidade que a água lhe implicava, um som de madeira ecoava pela mata, assustando e afastando os animais.[4]
História
[editar | editar código-fonte]De acordo com os inventários que datam do século XIX, foi possível realizar a descrição dos monjolos e o nível de desenvolvimento técnico envolvido na ferramenta. Os estudiosos dizem ter sido Brás Cubas - um fidalgo português que esteve na Ásia com Martim Afonso de Sousa - que trouxe da China o primeiro monjolo, que foi instalado na capitania de São Vicente. Os indígenas brasileiros denominaram o utensílio de em guaguaçu, que significa o grande pilão. A palavra monjolo tem, provavelmente, origem sânscrito, vindo de mucala, que significa pilão para descascar arroz.[3]
O monjolo é popularmente associado à cultura indígena, mas o historiador Sérgio Buarque de Holanda ressalta que a ferramenta era antes desconhecida por aquela cultura. Segundo ele, a máquina chegou ao país oriunda do Japão, China e Indochina, onde era utilizada para descascar arroz.[3]
O monjolo é mais rápido que o pilão, ferramenta que antes realizava o trabalho que o monjolo foi capaz de modernizar, e não necessita da presença e esforço físico humano para seu funcionamento. Trabalha com a força da água, que desce pelo rego d'água, fazendo socar alternadamente a mão de pilão, descascando o arroz, o milho e o café.[5]
A utilização do monjolo é até hoje presente na toponímia de toda uma extensa região brasileira. A região que abriga o centro-norte de Minas Gerais até o norte do Rio Grande do Sul, passando por parte de Goiás e Mato Grosso, assinala ao menos 62 localidades que tiram o nome do rústico instrumento. 31 em Minas Gerais, 16 em São Paulo, seis no Paraná, três no Mato Grosso, três no Rio de Janeiro, duas no Rio Grande do Sul e uma em Goiás. O total seria maior se contássemos os nomes de rios ou riachos que correm pela região.[6]
Água: elemento fundamental
[editar | editar código-fonte]Há dois métodos de beneficiamento do café. O primeiro é dado em fazendas onde não se dispunha de água abundante para fazer mover os moinhos:
Este método, simples e primitivo, consiste em deixar as bagas o terreiro até que sequem; em seguida, levar os grãos ao monjolo, onde ocorrerá a descascagem do grão; e por último vai para a peneira, onde se conclui a limpeza.
Porém, em fazendas com água em abundância, o processo era implementado e gerava mais produtividade:
As sementes são colocadas em tinas cheias d'água para se tornarem mais moles e passam por cilindros que acabam por retirar a polpa quase que em sua totalidade; em seguida, o resto da polpa que sobra é colocado em um reservatório com água e a polpa fica facilmente retirável após alguma horas; Depois, lavam-se os grãos e deixam no terreiro para secar; Uma vez secos, são colocados no monjolo para que a ferramenta remova a casca de pergaminho, de onde seguem posteriormente para o processo de peneiração.[7]
Por ser a força motriz por trás do funcionamento do monjolo, a água tornou-se elemento fundamental para a instalação das fazendas no interior do Brasil nos séculos XVIII e XIX.[8]
Os monjolos, além de ecologicamente corretos, foram fundamentais para o desenvolvimento das atividades rurais nos séculos XVIII, XIX e XX.[3]
Para o habitante do meio rural, é comum procurar morar nas proximidades dum rio ou riacho; um lugar onde haja água. Se ele é plantador de arroz ou milho terá uma das mais prestativas máquinas: o monjolo.[9]
Necessidade de modernização
[editar | editar código-fonte]A falta de padronização nos rústicos equipamentos responsáveis pelo beneficiamento do café, fazia com que o grão perdesse sua qualidade e tornaram- se incompatíveis com os graus de consumo da época. Pilões manuais, monjolos ou carros puxados por bois não realizavam a produção necessária para competir com novos produtos como o chá, o chocolate, a chicória e outros itens de consumo popular.
Com isso, enxergou-se a necessidade de ampliar o beneficiamento e a modernização do processo de produção do café. Assim, alguns mecanismos novos surgiram, como a inserção de máquinas a vapor para aumentar a produtividade das ferramentas existentes. As máquinas a vapor movimentavam, de acordo com a necessidade, por vezes uma prensa de açúcar, por vezes um monjolo de café, por vezes um moinho de milho.[7]
Von Tschudi foi um importante observador do Brasil no período e suas anotações são importantes para caracterizar a conjugação das máquinas a vapor com os equipamentos agrícolas como o monjolo.[7]
Vale ressaltar que é um erro pensar que o monjolo era a única forma de beneficiamento do café nos anos 1860. Diferentes maquinismos já eram instalados nas fazendas, mas o monjolo foi o de maior impacto e melhor produtividade no período, por isso, o mais adotado.[7]
Além dos produtos alimentícios citados, a abertura de estradas, o beneficiamento em monjolos e pilões ajudaram a dinamizar a produção ervateira no oeste catarinense no final do século XIX e início do século XX.[10]
Princípios físicos para o funcionamento
[editar | editar código-fonte]O funcionamento do monjolo é dado por basicamente dois princípios físicos: o torque e o centro de massa. O monjolo iniciará seu movimento quando o torque do peso da água for igual ao torque do peso do pilão do monjolo, em relação ao apoio.[11]
O torque, ou momento da força, é o que define a força com que o pilão do monjolo baterá no fundo do cocho. Quanto mais distante estiver a mão do monjolo do eixo de rotação, menos água será necessária para realizar o movimento de gangorra.[12]
O centro de massa é um ponto que se comporta como se toda a massa de um corpo estivesse posicionada sobre ele. O cálculo dessa grandeza é dado de acordo com a distribuição da massa pelo corpo. No caso do monjolo a distribuição da massa sobre a ferramenta é variável à medida que a água enche a extremidade do tronco. Essa variação no centro de massa é o que causa o movimento do utensílio quando, ao encher constantemente uma extremidade, acaba deslocando o centro de massa para próximo da ponta, fazendo cair tal extremidade e ao se esvaziar, o centro de massa volta para a ponta na qual está localizada o pilão, que desce com força.[13]
Literatura
[editar | editar código-fonte]O escritor Rubem Alves criou uma narração fazendo alusão à forma como os materiais tecnológicos são concebidos e utilizou o monjolo como base para seu texto:
"Era uma vez um povo que morava numa montanha onde havia muitas quedas-d'água. O trabalho era árduo e o grão era moído em pilões. As mãos ficavam duras e as costas doloridas. Um dia, quando um jovem suava ao pilão, seus olhos bateram na queda-d'água onde se banhavam diariamente. Já a havia visto milhares de vezes. E também os seus antepassados. Conhecia a força da água, mais poderosa que o braço de muitos homens. Eterna e incansável, dia e noite. Uma faísca lhe iluminou a mente: não seria possível domesticá-la, ligando ao pilão? Substituir os braços, libertar os corpos, domá-la, pô-la a trabalhar? Assim foi inventado o monjolo." (Alves, 1993, p. 158)[14]
"O monjolo, que também se chama preguiça foi descrito por alguns viajantes: todavia, não acho inútil dar aqui, em poucas palavras, uma ideia desse aparelho notável pela simplicidade. Sobre uma peça de madeira vertical e imóvel, é colocada, à maneira duma gangorra, outra peça de madeira móvel e horizontal: esta última é escavada numa das extremidades como uma larga colher, e na outra, é armada de um soquete bem resistente. A máquina está sempre colocada como já disse, debaixo de uma pequena queda d'água. O líquido, caindo de uma espécie de colher que, de um lado termina a viga oscilante, faz inclinar-se esta para o mesmo lado, enquanto a extremidade oposta, armada na parte inferior como o soquete que eu descrevi, se ergue descrevendo um arco de circunferência: mas enquanto a extremidade escavada se inclina, a água escorre, o peso do pilão sobrepuja o da colher, a máquina range, e o pilão cai pesadamente num cocho destinado a receber o grão." - Arredores de Juiz de Fora, MG, 1816
Auguste Saint-Hilaire, Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, p. 56[15]
- ↑ a b Monjolo Equipamento rústico para moagem de grãos custa 200 reais, economiza energia, funciona bem e tem vida longa por Gustavo Laredo - Revista Globo Rural
- ↑ A História do Uso da Água no Brasil: Do descobrimento ao Século XX, um projeto da Agência Nacional de Águas, 2007
- ↑ a b c d «Pilão e Monjolo». basilio.fundaj.gov.br. Consultado em 20 de novembro de 2017
- ↑ Whitaker, Dulce Consuelo Andreatta (1 de dezembro de 2005). «Dezoito anos de assentamentos rurais: Diferentes dimensões desta difícil maioridade». Retratos de Assentamentos. 7 (1): 11–60. ISSN 2527-2594
- ↑ de Paula, Maria Helena (dezembro de 2011). «Inventário e análise lexical sobre o trabalho no vernáculo goiano» (PDF). repositório UFG. Consultado em 20 de novembro de 2017
- ↑ Holanda, Sérgio Buarque de (1994). Caminhos e Fronteiras. [S.l.]: Cia. das Letras. pp. pag. 190 e 191
- ↑ a b c d Ribeiro, Luiz Cláudio M. (junho de 2006). «A invenção como ofício: as máquinas de preparo e benefício do café no século XIX». Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material. 14 (1): 121–165. ISSN 0101-4714. doi:10.1590/S0101-47142006000100005
- ↑ Benincasa, Vladimir (julho de 2010). «Casas rurais mineiras e do nordeste paulista». Revista Resgate, periódico da UNICAMP. Consultado em 20 de novembro de 2017
- ↑ «O Monjolo e o Pilão por Angelo João Zucconi, editor do projeto TerraBrasileira.net». Consultado em 21 de fevereiro de 2008. Arquivado do original em 18 de fevereiro de 2008
- ↑ Corazza, Gentil. «Traços da formação socioeconômica do oeste catarinense» (PDF). Universidade Federal da Fronteira Sul. Consultado em 20 de novembro de 2017
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- ↑ Carlos, Leite, José; Fernandes, Leite, Eudes (setembro de 2012). «Saber formal e saber local: convergências e assimetrias». Ciências & Cognição. 17 (2). ISSN 1806-5821
- ↑ Bruno, Ernani Silva (2000). Equipamentos, usos e costumes da casa brasileira: Equipamentos. [S.l.]: EdUSP. ISBN 9788586297076