João Filipe Bettendorff
João Filipe Bettendorf | |
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Nome completo | Johannes Philippus Bettendorf |
Nascimento | 25 de agosto de 1625 Lintgen, Luxemburgo |
Morte | 5 de agosto de 1698 (72 anos) Belém do Pará, Brasil Colônia |
Nacionalidade | luxemburguês |
Ocupação | jesuíta, missionário, cronista, pintor |
João Filipe Bettendorf (Lintgen, Luxemburgo, 25 de agosto de 1625 – Belém do Pará, Brasil Colônia, 5 de agosto de 1698) foi um religioso jesuíta de destacada atuação como missionário na Amazônia durante a época colonial.
Entre 1669 e 1674 e entre 1690 e 1693, foi superior dos jesuítas em missão no Estado do Maranhão e Grão-Pará.[1]
Biografia
[editar | editar código-fonte]João Filipe Bettendorf ou Johannes Philippus Bettendorff nasceu a 25 de agosto de 1625 em Lintgen, localidade do Condado do Luxemburgo. De família abastada, estudou humanidades no colégio jesuítica do Luxemburgo, filosofia na Universidade de Trier (atual Alemanha) e direito na Universidade de Cuneo (Itália).[2] Em novembro de 1647, ingressou noviciado jesuíta em Tournai e fez diversos estágios em colégios dos Países Baixos Espanhóis. Finalmente, estudou teologia em Douai, na atual França.[2] Era um poliglota que falava alemão, francês, italiano, flamengo, espanhol e latim, sendo considerado extremamente culto.[3]
Missão do Maranhão
[editar | editar código-fonte]Em 1659, logo após a sua ordenação, foi designado pelo Superior Geral da Ordem Jesuíta para a Missão do Maranhão, na Amazônia Portuguesa. Tal designação atendia aos pedidos de novos missionários do Superior da Ordem no Maranhão, cargo ocupado à época pelo padre Antônio Vieira.[2]
Após uma estadia em Portugal, partiu ao norte do Brasil em companhia de Gaspar Misch, missionário como ele, chegando a São Luís do Maranhão em 20 de janeiro de 1661.[2] Em Portugal e no Brasil aprendeu o nheengatu, ou língua geral, utilizando a gramática redigida pelo padre Luís Figueira, entre outros recursos, tendo inclusive, pouco antes da partida feito uma tradução resumida para o latim da referida gramática.[4]
Após um encontro com Antônio Vieira em Belém, foi encaminhado inicialmente para o aldeamento de Mortigura, nos arredores da cidade, para familiarizar-se com a língua e com o método de evangelização dos nativos.[3] Pouco meses depois, foi encaminhado para a foz do rio Tapajós com o objetivo de fundar um aldeamento. Ali, Bettendorf dedicou-se à catequese dos indígenas, tomando o cuidado de manter boas relações com os chefes tribais locais, de acordo com as orientações da Companhia de Jesus. Pouco tempo depois, eclodiu uma revolta dos colonos de Belém e São Luís contra os jesuítas. A razão do conflito foi uma lei de 9 de abril de 1655, elaborada sob a influência de Antônio Vieira, que colocava os indígenas sob proteção dos padres e impedia sua utilização como mão-de-obra pelos colonizadores. Ao saber da revolta, juntou-se aos jesuítas que estavam em Gurupá. Em 1662, foi colocado em uma embarcação, juntamente com outros seis jesuítas para ser deportado para Lisboa, entretanto, o navio começou a afundar e retornou à Belém, onde ficou em prisão domiciliar até 2 de junho de 1662.[2][3]
Com a revolta finalizada, Bettendorf foi feito superior jesuíta em Belém em junho de 1662 e, no ano seguinte, foi enviado a São Luís como administrador da missão naquela cidade, a mais importante da Amazônia. Ali, Bettendorf destacou-se pela qualidade da gestão, mas suas cartas ao Superior Geral da Companhia na Europa revelam problemas na relação com os colonos e o abuso sofrido pelos indígenas. Também se queixa dos próprios indígenas, que eram pouco suscetíveis à evangelização.[2]
Em 1668, após a inspeção do padre visitador Manuel Juzarte, Bettendorf foi escolhido como novo Superior da Missão, o cargo mais alto dos jesuítas no Estado do Maranhão e Grão-Pará. Várias reformas foram feitas sob sua gestão, como a elevação em 1670 das casas dos jesuítas em São Luís e Belém à categoria de colégios. Os colégios serviam para a formação de noviços e possuíam biblioteca e oficinas para a produção de objetos litúrgicos. Além disso, serviam de centros onde os padres, normalmente distribuídos em várias missões, se reuniam regularmente, contribuindo assim à coesão da comunidade jesuítica.[2]
No início da década de 1670, a colônia e os jesuítas passaram por dificuldades econômicas. Em 1674, Bettendorf foi sucedido pelo italiano Pedro Luís Consalvi como Superior da Missão e voltou a ser reitor do colégio de São Luís. Naquela cidade, impulsou a construção da Igreja de Nossa Senhora da Luz (atual Catedral de São Luís) e promoveu a economia com o plantio de cacau e a produção e venda de tijolos. Em 1679, o padre visitador Pedro de Pedrosa, com apoio de Consalvi, destituiu Bettendorf do cargo de reitor, mas o processo foi considerado irregular e o padre luxemburguês recuperou seu cargo em 1681. Aqueles anos se caracterizaram também por conflitos administrativos com o bispo da Diocese do Maranhão, fundada em 1677.[2]
No início da década de 1680, Portugal criou novas leis destinadas à integração do Estado do Maranhão ao comércio colonial que geraram conflitos com os povoadores. As leis incluíam disposições, inspiradas pelo padre Antônio Vieira, para incentivar o uso de mão-de-obra escrava africana no lugar da indígena. Assim, em 1684 eclodiu uma nova revolta (Revolta de Beckman), causada em parte pela criação da Companhia do Comércio do Estado do Maranhão e Grão-Pará, criada pela metrópole para monopolizar o comércio, e pela dificuldade de conseguir mão-de-obra indígena e os altos preços dos escravos africanos.[2] Os jesuítas foram considerados parte do problema e todos foram expulsos. Bettendorf, junto com um grupo de padres, foi ao Recife e dali à Salvador da Bahia.[carece de fontes]
Em Portugal
[editar | editar código-fonte]Após uma reunião com Antônio Vieira, Bettendorf foi enviado a Lisboa para apresentar a situação à corte portuguesa, onde chegou em outubro de 1684.[2] Em base às negociações de Bettendorf, entre outros, foi redigido em 1686 o Regimento das Missões para regular os aldeamentos indígenas e seu uso como fonte de mão-de-obra para a colônia. Uma vantagem para os jesuítas foi que o Regimento especificava que os padres teriam total controle sobre os aldeamentos, algo em geral resistido pelos colonos.[2] Enquanto em Lisboa, Bettendorf publicou duas obras relacionadas ao trabalho missionário na Amazônia: uma reedição da Arte da Língua Brasílica, gramática tupi do padre Luís Figueira, em 1687, e o Compendio da doutrina christam na Lingua Portugueza & Brasilica, um catecismo bilíngue, em tupi antigo e português, publicado em 1687, escrita pelo próprio Bettendorf.[2]
Últimos anos
[editar | editar código-fonte]A 3 de agosto de 1688, Bettendorf regressou à Amazônia, onde foi imediatamente recolocado à frente do Colégio de São Luís. Ali, enfrentou o desafio de implementar o novo Regimento das Missões, que ainda era resistido pelos colonos por limitar o acesso ao trabalho indígena.[2] Em 1690, ao término do mandato do padre suíço Jódoco Perret, Bettendorf foi feito novamente Superior da Missão. Impulsou então a educação nos colégios com professores chegados das universidades de Coimbra e Évora, à época administradas pelos jesuítas, o que permitiu ministrar aulas de latim aos filhos dos colonos.[2]
Em 1693, já perto do final do mandato, Bettendorf enfrentou-se à redistribuição dos aldeamentos entre as ordens religiosas presentes na Amazônia. Os jesuítas deixaram várias missões no interior para outras ordens, o que foi recebido favoravelmente por Bettendorf visto que os padres jesuítas não conseguiam cuidar adequadamente da grande quantidade de aldeamentos então existente.[2] Em meados de 1693, assumiu como Superior o padre Bento de Oliveira, e Bettendorf passou um período no interior. Em 1696 regressou a Belém, onde foi assessor do novo Superior, José Ferreira, e participou ativamente nas atividades do Colégio de Santo Alexandre.[2]
Nesses últimos anos, Bettendorf dedicou-se a escrever a "Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão (1627-1698)"[5], tarefa que lhe havia sido encomendada pelos superiores Bento de Oliveira e José Ferreira. Morreu antes de concluí-la, em 5 de agosto de 1698.[2]
Atividade artística
[editar | editar código-fonte]Entre 1661 e 1695, no contexto de sua atividade evangelizadora, Bettendorf foi o responsável pela construção e decoração pictórica de igrejas na Amazônia, tanto na região de Belém como de São Luís.[6] Sua obra é conhecida pela Crônica que escreveu, na qual documenta seus trabalhos artísticos. Em 1662, construiu uma igreja em Santarém, onde também decorou o retábulo com uma pintura de Nossa Senhora da Conceição. Para a igreja de Monte Alegre, fez em 1681 o frontal do altar e um retábulo com uma pintura, novamente representando N. S. da Conceição. Em São Luís, por volta de 1690, realizou o projeto da Igreja do Colégio de São Luís (atual Catedral de São Luís), além de seu frontispício e retábulos.[6] No interior ainda se encontra o retábulo principal desenhado por ele e esculpido pelo entalhador Manuel Manços.[7]
Ver também
[editar | editar código-fonte]- Igreja e Colégio de Santo Alexandre, antigo colégio e igreja jesuíta de Belém do Pará
- Catedral de São Luís, antiga igreja jesuíta na capital do Maranhão
- Missões religiosas na Amazônia Portuguesa
- ↑ HISTÓRIA E RETÓRICA NAS NARRATIVAS JESUÍTICAS NO MARANHÃO (SÉC.XVII E XVIII), acesso em 29 de dezembro de 2016.
- ↑ a b c d e f g h i j k l m n o p q ARENZ, Karl Heinz. Do Alzette ao Amazonas: vida e obra do padre João Felipe Bettendorff (1625-1698). Revista de estudos amazônicos, vol. V, nº 1. Belém, 2010.
- ↑ a b c Os Jesuítas no Maranhão e Grão-Pará Seiscentista: Uma Análise Sobre os Escritos dos Protagonistas da Missão, acesso em 11 de novembro de 2016.
- ↑ A palavra e o império: A Arte da língua brasílica e a conquista do Maranhão, Pablo Antonio Iglesias Magalhães, disponível na internet, acesso em 04 de novembro de 2016.
- ↑ Crônica da missão dos padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão, acesso em 22 de novembro de 2016.
- ↑ a b Biografia de João Felipe Bettendorf na Enciclopédia Itaú de Artes Visuais.
- ↑ Retábulo da Igreja Nossa Senhora da Vitória (São Luís, MA) no sítio do IPHAN
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Arenz, Karl-Heinz, 2007. Une lettre du père Jean-Philippe Bettendorff de la Mission jésuite en Amazonie. Hémecht Jg. 59, H. 3: 273-308.
- Arenz, Karl-Heinz, 2008. De l'Alzette à l'Amazone: Jean-Philippe Bettendorff et les jésuites en Amazonie portugaise (1661-1693). Publications de la section historique de l'Institut grand-ducal de Luxembourg 120. 801 S. Imprimerie Linden, Lëtzebuerg.
- Bost, Bodo, 2005. Johann Philipp Bettendorf SJ (1625 - 1698) aus Lintgen, Brasilien-Missionar und "Global Player" : Ein Sonderforschungsprojekt der Universität Mainz gibt neue Auskunft über die Rolle Luxemburger Jesuiten des 17./18. Jahrhunderts beim Missionswerk in der Neuen Welt. Heimat und Mission, Jg. 79(2005), Nr. 7/8/9, 7. August 2005, S. 21-26.
- Bost, Bodo, 2005. Johann Philipp Bettendorf S.J. (1625-1698) : "erster Jesuitenmissionar am Oberlauf des Amazonas". Hémecht Jg. 57(2005), H. 1: 55-102.
- Bost, Bodo, 2005. Johann Philipp Bettendorf SJ (1625 - 1698) : der aus Lingten gebürtige Missionspionier gilt als Entdecker der Guaranápflanze und Gründer der Stadt Santarém in Brasilien. Die Warte Année 57(2005), n° 2 = n° 2100 (13. Januar), p. [1+2]. Luxembourg.
- Bost, Bodo, 2006. Ein Hort der Mythen und Freiheitsbewegungen: Jean Soublin beschreibt in seinem Geschichtsroman über den Amazonas die Geschichte aus der Sicht der Indios und "Caboclos" : auf den Spuren des Luxemburger Jesuiten Johann Philipp Bettendorf. Die Warte Année 58(2006), n° 8 = n° 2143 (9. März), p. 5. Luxembourg.
- Bost, Bodo, 2008. Ein Luxemburger am Amazonas : Pater Bettendorff (1625 - 1698) aus Lintgen war Missionsgründer und der erste residierende Jesuitenmissionar am Amazonas. Luxemburger Marienkalender Jg. 127: 71-76. Luxemburg.
- Bost, Bodo, 2010. Missionar und Amzonaspionier: Johann Philipp Bettendorff (1625 - 1698) SJ : eine prägende Rolle des Ordensmann aus Lintgen. Die Warte Année [62](2010), n° 29 = n° 2307 (21. Oktober), p. 11. Luxembourg.
- Bost, Bodo, 2011. 350-jährige Stadt Santarém feiert. Luxemburger Jesuit Johann Philipp Bettendorff als Gründer. Luxemburger Wort, Die Warte, 16. Juni 2011, S. 17-19.
- Bost, Bodo, 2011. Von der Alzette zum Amazonas: Jesuit Johann Philipp Bettendorff in Brasilien : Ankunft des Luxemburgers im südamerikanischen Land vor 350 Jahren nach einer abenteuerlichen Odyssee. Die Warte Année [63](2011), n° 3 = n° 2317 (20. Januar), pp. 10–11. Luxembourg.
- Codina, María Eugenia, 2000. La Crónica del P. Betendorf: un misionero del siglo XVII en el Amazonas portugués. In: Un Reino en la Fronteralas misiones jesuitas en la América Colonial. Lima : Abya-Yala ; 2000. P. 229-242.
- Franck, Fernand & Bodo Bost, 2008. João Felipe Bettendorff 1625 - 1698 : de l'Alzette à l'Amazone - un jésuite luxembourgeois au Brésil : catalogue de l'exposition. Impr. Saint-Paul. 19 p. ISBN 978-2-9599712-4-2.
- Hausemer, Georges, 2006. Luxemburger Lexikon : das Grossherzogtum von A - Z. Luxemburg. Éditions Guy Binsfeld. 478 S. ISBN 978-2-87954-156-3. [Johann Philipp Bettendorff: S. 48]
- Jaeckel, Volker, 2007. Von Alterität, Anthropophagie und Missionierung : der Einfluss der Jesuiten auf die kulturelle Identität Brasiliens in der Kolonialzeit (1549 - 1711). Stuttgart : ibidem-Verlag. 248 S.
- Kmec, Sonja & T. Kolnberger, 2010. Liegt Denkmalschutz nur im Auge des Betrachters? Eine Reportage über Baufortschritt und historische Authentizität. Forum 301: 47-49. PDF
- Pessoa Jorge Oudinot Larchier, Maria-Madalena, 2007. Le père Bettendorff, missionnaire dans l'État du Maragnon (Brésil) au XVIIè siècle. pp. 229–234 in: Le face-à-face des dieux : missionnaires luxembourgeois en outre-mer. Bastogne : Musée en Piconrue.